É o tipo de pessoa que, quando com fome, come toda a caixa de bombons. É imediatista. Não quer esperar a comida ficar pronta. É o tipo de pessoa que prazerosamente te deixaria falando sozinho. Responderia monossilabicamente ou com um leve sorriso para soar interessado. Mas no fundo não estava. Socialmente, é o tipo de pessoa taxada como sociopata. Mas no fundo, sua profundidade era aquém do entendimento humano.
É o tipo de pessoa que nunca viveu aventuras na vida. Morava no interior. Havia um desejo profundo em conhecer o mar, mas será que tamanho deslocamento valeria a textura da areia? Nessas questões, ele desistiu. É o tipo de pessoa que desiste fácil. Na verdade, nem cogitou tentar.
Já havia pensando no suicídio. Desistiu. Se um dia um raio caísse sobre sua cabeça não reclamaria. Um destino definido pelo acaso, essa era sua vida. Esse é o tipo de pessoa que nem vida tinha. E não é que um belo dia Sr. Raef tentou mudar.
Começou pintando as paredes do quarto de verde “Essa cor traz esperança.”. Vestiu-se de azul pela primeira vez. Andou de chinelos, saiu pelo bosque e tropeçou no primeiro desnível pelo qual passou. Todos riram. E ele riu junto. Andou de ônibus, parou em qualquer parada: “Motorista, pare ai nesse lugar verde para eu descer.” Conheceu todos os parques da cidade. Alimentou esquilos. Cumprimentou os cachorros que viu. No fim do dia até pensou “Cansei-me e foi bom.”
Repetiu essa mesma rotina da mesma forma por alguns dias. Havia mesmo uma rotina: cada dia da semana um parque, havia um trajeto estabelecido para cada dia, nas segundas comeria comida japonesa, nas terças hambúrguer, nas quartas pizza, e assim por diante. Era sistemático. Se algo desse errado, se aborrecia. No fim, aborreceu-se da rotina. E caiu em prantos.
Descobriu que outras pessoas andavam acompanhadas mas ele andava só. Percebeu que amigos riam juntos, mas ele, quando ria, ria só. Achou que deveria ter amigos e animais de estimação, mas desistiu. “Oh céus, que trabalho pra tentar ser feliz.” Sentou-se e continuou a ser quem sempre foi. Aquele tipo de pessoa imediatista, infeliz e totalmente sem resignação.
Contemplava o firmamento quando escurecia, sentia que pertencia às estrelas e não aos humanos. Sociopata. Sentia um imenso desejo de voar e libertar-se do que o prendia: a matéria. “O que é que me prende aqui se nem desejos tenho?” Pensava delirando. E num desses momentos apagou.
Acordou num sonho intenso e um tanto psicodélico. As luzes, as cores. Tantas imagens e feições que a sobriedade jamais construiria. Sentiu vontade de ficar mais. Como uma criança que se entretém num circo, ele estava se entretendo em formas criadas pela sua mente. Sentia-se leve, livre, jovem e…. acorrentado. Sentia-se preso, triste e amedrontado. Depois se sentia bem novamente. E nesse vai e vem já não sentia mais nada.
“Só sinto confusão.” “Só sinto que nada sinto.”
Despertou. Enjoado, sentindo-se mal. Como que numa ressaca profunda, embora nada tenha ingerido. Queria voltar ao sonho. Queria ficar. Não queria nada.